terça-feira, 23 de novembro de 2010

1ª MÃO - Artigos Pe. Edson


A atitude do Samaritano na espiritualidade de Ozanam



O samaritano como muitos viajantes desce também de Jerusalém para Jericó, ou seja, veio do local do culto judaico. No caminho, encontra uma situação de grande sofrimento. No entanto só ele teve uma atitude reconhecidamente louvável naquela situação. Diz o texto bíblico: “Um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu, e moveu-se de compaixão. Aproximou-se dele” . Portanto, ele viu o ferido... e, aproximou-se dele. Ficou face a face com ele!
Pela compaixão veio a atitude de Caridade. Ele rapidamente se deu conta que o Outro precisava de ajuda. Ficou cara a cara com ele. Viu sua expressão de dor. Sofreu com ele.
Por isso, preventiva ou emergencialmente, curou suas feridas derramando nelas óleo e vinho; depois procurou assisti-lo com maior cuidado: colocou-o no seu próprio animal, levou-o a uma pensão. Cuidou dele.
Quem é o samaritano da parábola? É o personagem que é apresentado como exemplo de cumprimento do mandamento do amor ao próximo, daquele que soube ter misericórdia. O texto diz que se trata de um “samaritano”. Este personagem não pode ser colocado pura e simplesmente em contraposição ao sacerdote e o levita que também desciam do lugar do culto. O personagem oposto a eles seria um judeu “leigo”. Mas não. Trata-se de um samaritano. Por isso, é preciso recordar em breves traços, quem são os samaritanos.
Os samaritanos do tempo de Jesus são os habitantes da região norte, do antigo Reino de Israel, destruído pelas tropas de Senaqueribe em 720 a.C. e a consequente dispersão do povo por diversas regiões do Império Assírio aliada à introdução de outras etnias. Com isso, ocorreu a miscigenação entre remanescentes judeus e pessoas de etnias estranhas. Os judeus, por sua vez, ao retornarem do Exílio da Babilônia, rejeitaram a colaboração dos samaritanos na reconstrução do templo de Jerusalém (cf. Esd 4,1-5). Com isso, tornou-se definitiva a ruptura entre judeus e samaritanos. Os judeus consideravam os samaritanos como não mais participando do povo da aliança. No tempo de Jesus a animosidade estava tão acirrada que os samaritanos chegaram a profanar o templo. Em termos atuais dir-se-ia que os samaritanos constituíam um grupo herético e cismático devido à transgressão da Lei, principalmente por se terem tornado uma população miscigenada com pessoas de origem pagã. Esta é, pois, a procedência deste “bom” samaritano. Pelo histórico de seu povo e sob a ótica e um pregador judeu, seria o menos qualificado para ser apresentado como exemplo e paradigma do cumprimento da Lei, no que diz respeito ao mandamento do amor ao próximo. Ele não se presta como contraposição direta aos dois primeiros personagens, pois está historicamente fora do “povo de Deus”.
O que chama atenção no texto são as atitudes, o samaritano não se fez bom por ser samaritano, tanto o levita quanto o sacerdote não socorreram pelo fato de ter atividade no tempo, pois estavam voltando das atividades então, a questão de não se tornar impura para o rito cai por terra, o que importa e que seus corações não foram movidos por compaixão e muito menos pelo desejo de fazer justiça.
É essa atitude de servir o sofredor, movido pelo amor que vem de Deus, que faz a diferença, e Ozanam levanta ainda outro ponto forte que é a questão da justiça.
Frederico Ozanam dizia com propriedade que “a Caridade não basta. Ela trata as feridas, mas não os golpes que as ocasionam. A Caridade é o samaritano que derrama azeite sobre as feridas do caminhante que foi atacado. O papel da Justiça é prevenir os ataques ”. Frederico Ozanam diz ainda que além “do pão que alimenta, a visita que consola, o conselho que esclarece, o aperto de mãos que levanta o ânimo abatido, é preciso tratar o Pobre com respeito. É assim que provamos nossa Justiça e nossa Caridade ”.
Seguir esse estilo do Bom samaritano é, na ação social, não se limitar à "velha" ação sócio-caritativa, tão marcada apenas pelo assistencialismo.
Ela deve manifestar-se não só na eficácia dos socorros prestados, o que é muito comum, mas também e, sobretudo, na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna. Sobre isso temos muito que aprender com Frederico Ozanam.
O grande problema ao qual se deve fazer duro enfrentamento no dia-a-dia é o problema das injustiças presentes no mundo. Por isso, a justiça deve ser parte constituinte na vida dos cristãos. São eles que, estando abertos às mudanças, são chamados a tomarem posições sempre mais avançadas estando comprometidos com ações que contribuem para a transformação do mundo.
De fato, depois de aprofundar-se no caminho espiritual de São Vicente de Paulo assim como o fez Frederico Ozanam e seus Companheiros, nenhum coração é capaz de ficar indiferente à dor e ao sofrimento dos Pobres. Ninguém é capaz de viver com uma fé meramente passiva onde se permanece de braços cruzados e que se espera tudo de Deus.
As pessoas que vivem numa fé ativa e efetivamente comprometedora percebem ao longo das experiências que a fé cristã é fundamentada e fortifica-se no serviço da Caridade. Um novo olhar é estabelecido; uma nova leitura é feita sobre os acontecimentos e estes são analisados sob a ótica da misericórdia e da compaixão. A paixão de Cristo na cruz é atualizada no sofrimento daqueles que padecem a mesma dor da humilhação e do desprezo configurada na vida dos Pobres.
A parábola do Bom Samaritano de São Lucas apresenta de maneira dramática o princípio de que o amor a Deus se mostra no amor ao próximo. Mas hoje, cada vez com mais clareza, nos damos conta de que a caridade implica não somente em curar as feridas da vítima e derramar óleo sobre elas, mas também em fazer que o caminho de Jerusalém a Jericó seja seguro para todos” .
Nós como pessoas que podem ter um coração movido pela mesma força que o samaritano, precisamos descobrir quem são os assaltantes de nosso tempo, onde estão os feridos, e qual realmente é nossa missão neste mundo onde as pessoas vivem mais preocupadas com os normas e leis, com os ritualismos e permutas com Deus, e esquecem o que Jesus veio anunciar. O que impede que a justiça aconteça? Por que o Reino de Deus parece tão distante num mundo que se reza tanto? O samaritano não era um santo, mas nesta pedagogia de Jesus foi usado como instrumento para nos orientar que a conversão é possível e que todo ser humano pode ser bom, estar em sintonia com Deus, agir de uma forma onde o amor-caridade, a solidariedade e a justiça podem caminhar juntos.
Jesus apresenta na parábola do samaritano um modelo de Igreja que precisa ter um coração cheio de misericórdia e compaixão, vendo com ternura nas faces desfiguradas dos Pobres, a Sua face desfigurada quando esteve pregado na cruz.
Hoje, esses sofrimentos dolorosos da cruz se manifestam com o nome de problemas pessoais e doenças, falta de condições dignas de desenvolvimento pessoal tanto material quanto espiritual, falta de oportunidades intelectuais e de mostrar aquilo que se é capaz de criar e de fazer, esses sofrimentos são causados por assaltantes que Ozanam diria hoje estar no sistema opressor e capitalista, que não vê a pessoa como ser humano, mas o resultado que ela produz, “você é o que produz, se não produz não é nada”.
O nosso pensamento precisa ter um foco, tendo de um lado nosso “ver” voltado para a prática de Jesus Cristo e por outro lado, nosso “ver” voltado para a vida dos Pobres. Colocar mais ternura e compaixão para que nosso olhar seja transformado num olhar diferente e comprometido.


Padre Edson Friedrichsen.

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